sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Relato de parto da Cecília e o renascimento de mim mesma

Dia 16 de junho eu completaria 37 semanas. Dia 15 comecei a sentir contrações doloridas de 10 em 10 minutos. Dei pulinhos de alegria, derramei algumas lágrimas de emoção e fui sentindo aquilo. Logo depois me vieram cenas do nascimento do Cauã na cabeça (mais no coração, talvez). Sabia que elas poderiam aparecer. Nós não tivemos uma experiência positiva no primeiro nascimento e eu sabia que o segundo nascimento poderia trazer memórias guardadas. Mas tinha me preparado ao longo da gestação para isso. Gestei bem algumas dores e pari elas ao longo da gestação da Cecília, porque sabia que memórias assim poderiam atrapalhar o parto. Enfim, abracei essas dores com toda a minha vontade a ponto de elas sumirem. Fazem parte da nossa história, afinal. Então avisei à minha equipe depois de algumas horas e fui tomar um banho quente como pediram. Tomei e as contrações sumiram. Brochei. Poxa, eram pródromos. Então fui pra rotina normal e fui dormir. Na madrugada as contrações apertaram, mas não ritmaram. Doíam pouco, agora sei. No dia seguinte tinha consulta de pré-natal (em casa) com minhas enfermeiras, a Ana e a Nath. A Ana me avaliou, avaliou Cecília, tudo bem. Contrações doloridas, que perdiam o ritmo. Pródromos. Era isso, era uma questão de tempo. Ah! O tempo. Sempre tivemos uma relação um tanto conturbada. Coisa de quem é ansiosa. Enfim, sabia que os pródromos poderiam durar alguns dias. Só não sabia que poderiam durar tantos dias. Dias de intenso aprendizado, cura e preparação. Oscilava entre “meu corpo sabe parir, é só esperar”, “será que tem alguma coisa errada?”, “acho que ela não tá pronta”, “Cecília sai logo daí cara, vamos nascer, quero parir”. Loucura total. Absoluta imersão no meu caos interno. Que viagem deliciosa, penso eu agora, já fortalecida (e fora do turbilhão). Pois bem, nesse período, logo no início, pedi pra doula vir, me ajudar, fizemos algumas medidas naturais para indução, chá, escalda-pés, massagem. Nada parecia funcionar. Claramente porque Cecília ainda não estava pronta. (E acho que nem eu). Ao longo dos 21 dias a única coisa que pensava era que não queria pressão social. Como sou espertinha e já passei por isso no primeiro filho, menti a dpp pra todo mundo. Sim família e amigos, menti. E sinceramente, todas as grávidas deveriam. Gestar é um processo social, além do individual, obviamente, mas as grávidas e seus bebês sofrem uma pressão sem fim que não necessitariam sofrer. Então, como minha primeira gestação chegou às 42 semanas e eu já estava quase mandando todo mundo pra putaquepariu (trocadilho besta hein), resolvemos mentir. Voltando à imersão dos 21 dias. Foram muito difíceis. Porque eu não me sentia a vontade para sair de casa, já que a cada contração dolorosa eu precisava parar um pouco e respirar fundo. As pessoas olham com certa preocupação para mulheres visivelmente a beira de parir e paradas respirando diferente. Então passei a maior parte do tempo em casa. Pra não surtar completamente, comecei a inventar pequenos projetos de artesanato. Lavar roupa. Dormir. Ler. Ver séries (o melhor passatempo EVER). Depois de 15 dias achando que a qualquer momento ia engrenar, comecei a ter certeza de que nunca mais seria uma pessoa não grávida. Juro que comecei a viver como se eu fosse ficar pra sempre naquela condição. Até que...

Até que meu companheiro me deu um empurrão num processo que eu precisava perceber: minha ansiedade estava me consumindo. Todo dia de manhã quando acordava e percebia que não tinha parido, passava o dia borocochô. Depois da dica fiquei mais atenta a lidar com sabedoria com o processo. Vez ou outra ia conversar mentalmente com as paridas do meu painel de inspiração. Ah a danada da espera. Entender que a qualquer momento o trabalho de parto poderia de fato começar me deixava super ansiosa para qualquer contração mais doída. Lembro que as contrações mais fortes eu falava em alto e bom tom: é isso aí, manda brasa! (hahaha amadora) Mas elas foram episódios isolados, pessoas solitárias em meio às contrações doloridas de verdade. As parteiras disseram pra mim: quando for trabalho de parto, você vai saber. (de fato eu realmente soube). Então galeuris fica a dica: pródromos longos? Depois de aproveitar pra descansar, vá fazer qualquer coisa pra pensar em outra coisa que não seja o parto. No meu caso, como eu tive MUITO tempo, eu usei a maior parte pra ficar sendo bipolar entre “a Cecília não tá pronta, quando estiver vai engrenar” para “vai Cecília nasce logo”. Até o momento em que eu me conectei comigo mesma, ouvi meus medos, me tranquilizei conversando francamente com minhas parteiras e decidi ir ao cinema, fazer outras coisas puramente com fins distrativos. Cerca de quatro dias antes do parto, fiz acupuntura e depois moxa. As contrações ficavam bem fortes e frequentes logo depois das aplicações, mas sem ritmo. E sumiam depois de um banho quente ou de deitar na cama. Na última semana eu consegui dormir todas as noites inteiras, as contrações simplesmente pararam de intensificar durante a madrugada, me deixando mais ainda com a sensação de que ia ficar pra sempre grávida. No domingo antes do parto fui a uma feira ao ar livre dar um rolé e foi ótimo. Encontrei pessoas, gargalhei, comi, admirei a beleza de Brasília e suas intervenções urbanas, além das naturais.

No dia seguinte, seis de julho. Pela manhã fomos ao parquinho com Cauã. Fizemos almoço. Estava vivendo a vida, o presente, finalmente. Já não sentia mais ansiedade como antes. Parava nas contrações dolorosas, fingindo admirar o céu, a árvore, quando estava na rua, pra evitar olhares curiosos ou preocupações desnecessárias de desconhecidos.  Depois do almoço fui cochilar com o mais velho, deitei ao lado dele, fiz carinho, adormeci. Algum tempo depois acordei com uma contração, senti algo fazendo ploc e levantei rapidamente quando a contração passou. E aí, eis que minha bolsa tinha estourado. Yes! Finalmente! Torcia para que as contrações começassem a se intensificar. Cauã dormiu tanto que achamos melhor não ir para a escola. A Ana veio me avaliar e estava tudo bem, pediu pra eu seguir a vida normalmente até que engatasse mesmo. Já pro final da tarde eu tinha tido episódios isolados de contrações bem mais dolorosas. Resolvemos sair para lanchar e ir ao mercado abastecer para o parto. Do lanche eu não consegui ir ao mercado. As contrações estavam espaçadas mas bastante doídas. Fui para casa, tomei um banho quente e fiquei torcendo para que as contrações não desaparecessem. E não desapareceram. Marido e filho chegaram, contrações estavam apertando. A cada uma, eu vocalizava continuamente, usando a técnica de respiração abdominal e abertura da boca para a abertura dos anéis do corpo. Mas infelizmente Cauã ficou incomodado com minhas vocalizações e achamos melhor pedir para que meus pais o levassem para a casa deles. Já tínhamos combinado isso previamente. Após a saída de Cauã, me soltei de verdade e pude me entregar ao processo sem preocupações. Avisei à doula e às parteiras que as contrações tinham se intensificado. A cada uma, eu vocalizava, usando a expiração de uma inspiração longa e vagarosa. Léo, meu companheiro, deixou as luzes indiretas, como eu queria. Ficou um pouco comigo. Fui pro chuveiro e as contrações ficavam mais intensas. Estava muito contente de ver meu corpo funcionando. As parteiras chegaram e foram organizar as coisas. Saí do chuveiro e fui pro quarto, sentei na banqueta de parto e pedi que meu marido ficasse atrás de mim. Passada a contração vi que tinha saído cocô, e não fiquei com vergonha. Não sabia como iria reagir a esse momento e poucos relatos falam do cocô. Pois é, tamanha força e compressão do reto, sai cocô. Pouco. Nada demais. Enfim, estava doendo pra caralho. Muito mesmo. Eu vivia um duelo porque sabia que tinha que apagar meu neocortex pra coisa rolar mais naturalmente. Mas se eu estava pensando em apagar o neocortex provavelmente eu não tinha apagado, pensava eu. E aí a Ana perguntou se eu queria a piscina. Eu perguntei se dava tempo. Elas disseram que talvez fosse interessante fazer um toque para avaliar em que patamar estávamos. 20h: Nath veio, avaliou. Não falou nada e saiu. Nessa hora já imaginei que deveria estar desfavorável, com colo grosso e pouca dilatação. Ela foi sábia pra caramba de não ter me dito. E eu não perguntei porque não queria brochar ou duvidar do meu processo. Tamanha sensibilidade minhas parteiras tinham. Sabiam que minha ansiedade poderia atrapalhar e souberam lidar com isso e comigo de uma maneira ímpar. Sou muito grata à maneira que tudo foi conduzido. Após perceber que o processo poderia demorar, de ver a movimentação pra montar a piscina e tal, resolvi esperar no chuveiro, relaxando, vocalizando agachando, me entregando. Deixei uma luz de led na tomada, liguei o chuveiro no mais quente possível e fiquei lá por um tempo. A cada contração soltava: aaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Tipo aquela daquele post que fiz sobre o canto carnático. Lembrei muitas vezes daquela indiana que conduziu as mulheres no canto. Do som da água do vídeo. Do vídeo do parto da bailarina vocalizando também. Aí minha doula chegou! Ufa! Elisa chegou e perguntou prontamente o que eu precisava. Eu disse que estava muito frio. Veja, o banheiro tem uma janela quebrada que sempre me irrita porque deixa passar um ventinho frio assim que saímos dentro do box do banho quente. E eu estava com a porta do box aberta. Então... Elisa convocou Léo e elaboraram uma engenhoca pro vento parar de me incomodar. Colocaram alguns sacos plásticos na janela com fita crepe e funcionou muito bem. Tão bem que eu podia ver a fumaça do banheiro contra a luz led da tomada. E a partir daí a imersão foi belíssima.

Sentia as dores da contração. Doíam muito. Perguntava pela banheira, mas não estava pronta. Sentia meu corpo se abrindo. Contração vem, vocalização, respiração. Contração vai, procurava relaxar os outros músculos do corpo: cervical, face, mãos e braços. Contração vem: vocalização, respiração. Contração vai: lembrar de apagar o neocortex. Contração vem: vocalização, respiração. Contração vai: eu tenho que parar de pensar em apagar o neocortex e me entregar. Contração vem: vocalização, respiração. Contração vai: ah que delícia as massagens da doula. Contração vem: nossa isso tá doendo pra caralho, acho que vou sair do chuveiro. Contração vai: vamos pra cama, tô morta, preciso descansar! Elisa vai comigo pra cama. Deito de lado e simplesmente as contrações parecem não parar. Não dá pra descansar. Fico gritando pra Elisa apertar meu quadril. Usou toda a força e aliviava bem. Uma hora ela estava praticamente em cima de mim de tanta força que eu pedia. Mas aliviava mesmo. Deitada foi horrível, doeu mais. Não deu pra descansar. Pedi pra voltar pro chuveiro, porque a piscina não estava pronta. Voltei pro chuveiro. Durante as contrações comecei a perceber a analogia das ondas do mar. Perfeito. Vem e vai, vem e vai. Mas chegou um momento em que começaram a ficar quase insuportáveis. E aí... aí eu disse aquela frase CLÁSSICA de quem está perto de parir: EU ACHO QUE VOU MORRER. E depois de vomitar, fazer cocô (não sei se eu realmente fiz) e gritar isso, imediatamente depois, eu pensei: putz, tá perto mesmo! Elisa disse logo depois: Que bom! Tá pertinho! Você consegue! E aí a Nath veio perguntar se eu queria agulhamento. A Ana, a outra enfermeira, tem um curso e usa uma técnica de agulhamento a seco no parto para alívio da dor. Eu nem esperei a Nath terminar de falar. Ouvi agulhamento e disse EU QUERO! Ok. Ana vem, com toda sua sabedoria, falando baixinho. Senta na frente do box. Não sei que magia a voz da Ana tem, mas fiquei instantaneamente mais centrada só com o tom da voz dela. Estava em uma contração, perdendo as estribeiras, querendo partir pro caos ao invés da entrega harmoniosa e lembro da Ana: respira Gabi, devagar, já já passa. Se eu pudesse eu gravava o jeito que ela falava. Era quase uma hipnose. Automaticamente a contração passava a ser suportável, eu voltava a vocalizar, a vibrar os lábios pra auxiliar a mucosa a relaxar, a rebolar. Entre uma contração e outra, consegui sentar na banqueta de parto e ela aplicou. Fiquei 15 minutos com as agulhas. Com 3 minutos veio outra contração, mas já senti uma melhora da intensidade, muito mais suportável. A Ana tirou as agulhas, Elisa voltou, e eu fiquei lá, em imersão em mim mesma. Quando eu pensava em titubear pensando no toque que eu sabia que não tinha grande dilatação eu lembrava rapidamente da lei do esfíncter, e isso me tranquilizava muito. Sabia que abrindo a boca ajudava a abrir o colo do útero, vibrando o lábio relaxava a mucosa e o períneo e usei e abusei dessas técnicas. Então comecei a sentir puxos. Puxo é quando dá vontade de fazer força. Depois do primeiro, avisei a Elisa: Elisa estou tendo puxos! Ela saiu e foi chamar a Ana. Ana veio. Perguntou se eu conseguia sentar para ela me avaliar. Eu sentei, de costas pra ela, porque a banqueta estava virada de costas pra saída do box, que é um quadrado que só cabia eu. Enfim, Ana pediu pra eu virar e eu já na minha versão bicho disse que não, que ela ia ter que me avaliar assim mesmo. E aí ela avaliou, fez um contorcionismo danado, fez um toque e pediu pra que eu tocasse. Toquei e pude sentir a cabeça de Cecília no canal de parto. Foi uma sensação incrível. Então pedi ajuda, viramos a banqueta e eu. Ana sentou, colocou sua luz de escavador na testa (hahaha) e eu apoiei o pé esquerdo no joelho dela. Segurei no suporte da parede com uma mão e com a outra segurei na barra da porta do box (que não sei como não quebrou). JURO que o expulsivo não doeu. Durante uma contração e outra do expulsivo eu tive a sensação nítida de estar em cima da prancha no mar, esperando a próxima onda. Com a mesma calmaria, com a mesma paz, com a mesma plenitude e sintonia com a natureza. Vibrei lábios entre as contrações. Abri ao máximo a boca e vocalizei durante as contrações. No segundo puxo eu queria um pouco perder o eixo, mas aquele olhar de paz da Ana, nunca vou esquecer. Nunca vou esquecer aquele momento. Eu olhava pra ela e era como se eu me visse dizendo: tá tudo bem. Sentia uma confiança absurda de que realmente tudo sairia bem e sentia uma tranquilidade incrível. A Ana dizia: deixa ela descer Gabi, só faz força quando tiver vontade. E eu esperava o sinal do meu corpo de que a força estava vindo. Uma força que eu não reconhecia. Não sabia que tinha. Não era uma força só de colocar um filho para fora do meu corpo. Mas uma força criadora. Uma força criativa. Empoderadora. Fortalecedora. No expulsivo, entre uma contração e outra, era como se tivera chegado num lugar em que nunca estivera. Com uma vista incrível. Tudo ficou claro. A vida, seu propósito e sua beleza. Ali, naqueles poucos segundos entre uma contração e outra eu me reencontrava. Quando ela saiu e escorregou para as mãos da Ana, que logo me entregou, às 23:15, eu atingi meu Samadhi. Minha ascenção espiritual. Falei: EU CONSEGUI. Eu realmente consegui. Todos choraram e pedi para que Léo viesse ficar com a gente no box do chuveiro. Foi incrível.

No meu gestar e parir me encontrei em mim. Percorri lugares nunca percorridos, encontrei dores escondidas, fortalezas esquecidas e vivi o presente como nunca houvera vivido. Senti-me entorpecida de amor, de esperança e de paz. Fez-se luz nas minhas vistas, no meu coração e na minha mente e agora sou outro alguém.  

Muito mais plena.

Gratidão ao meu grande amor Léo, às parteiras mais especiais que eu poderia ter arrumado Ana e Nath e à inspiradora doula Elisa.
Sou grata pela sensibilidade, pela voz baixa e afetuosa, pelo cuidado holístico e olhar de quem acredita.

*Minhas parteiras são da Périnatale.


OBS: Esse parto foi um vbac. Períneo íntegro, trabalho de parto com cerca de 3 horas.  
Hora de ouro! Mamando no calor da mamãe na primeira hora de vida!

Foto com a equipe da Perinatale com as enfermeiras obstetras Ana Moulaz e
Nathália Paiva  e a doula Elisa! Comemorando o períneo íntegro!